sábado, 6 de outubro de 2012

n.5 - out/2012: Ideologia - como mantemos um mito...

Não vou aqui desenvolver um texto sobre demografia, mas de uma questão que apareceu essa semana na mídia (muito pouco especializada, por sinal) a respeito do falecimento do historiador inglês Eric Hobsbawm. Trata-se de uma nota publicada (em 04/10/2012) por uma revista semanal, talvez uma das mais famosas do país, que lançou mão de comentários desnecessários para registrar o falecimento e minimizar a importância de um pesquisador em sua área de conhecimento. Hobsbawm publicou diversos livros (veja alguns deles publicados no Brasil pela Editora Paz e Terra) amplamente conhecidos e que serão ainda referência por muitos anos.

O que a revista semanal fez (não vou mencionar o nome para evitar propaganda gratuita) foi travestir a sua ideologia de uma  imparcialidade que garante ser um dos seus princípios éticos. O texto descreve o historiador como "um idiota moral", criticando duramente a sua trajetória pessoal de engajamento político marxista. Independente de estar de acordo ou não com a postura ideológica de Hobsbawm, o seu engajamento político nunca interferiu que sua dedicação científica fosse contaminada. Ou seja, embora pudesse ser perceptível a corrente teórica central na qual o historiador se apoiava para desenvolver suas pesquisas, ele não travestiu de ciência o que era a sua posição política pessoal.

A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) publicou nota de repúdio dando ênfase ao julgamento despropositado dado pela revista. Aliás, essa nota de repúdio de forma alguma tenta defender a posição ideológica do historiador, mas registra com propriedade a maneira velada como a revista trata essa posição. Como mencionei anteriormente, travestindo de imparcialidade jornalística uma posição ideológica que com certeza não é a única entre a sociedade brasileira. Afinal, ao escrever um texto com ácidas críticas ao engajamento político do historiador, a revista deliberadamente pretendia atacar de maneira pouco fundamentada uma ideologia oposta à sua. Talvez por entender que essa também seria a postura de grande parte de seus leitores assíduos (fato que pode ser percebido pelos elogios efusivos nos comentários publicados na versão online da matéria na revista).

Essa passagem ilustra indiretamente algumas das ideias que pretendia desenvolver na sequência do meu texto anterior (Como se cria um mito - "explosão demográfica"). Pois um dos elementos que sustentam (inclusive com apoios financeiros internacionais) a noção do senso comum de que a explosão populacional seria o principal problema a ser enfrentado no mundo é uma posição ideológica que se mantém por trás do discurso travestido de ciência. Ou seja, todos os estudos apontam que o ritmo de crescimento populacional dos países está em declínio acelerado, entretanto, os alarmistas populacionais obscurecem os reais problemas da pobreza e desigualdade social, por exemplo, por trás de um problema populacional. Entre outras coisas, pelo fato de os pobres terem muitos filhos e garantindo assim sua condição de pobreza. Mas discutirei esse tema com mais elementos futuramente.

Finalizando: não penso, com isso, que o jornalismo deve ser marcado pela ausência de posicionamento político. É justamente o contrário. Temos histórico de como os meios de comunicação exerceram um papel fundamental no debate político e social no país. O que se deve combater é a fantasiosa imparcialidade da posição política dos meios de comunicação, pois sendo assim tratam opiniões de indivíduos ou grupos como se fossem uma única verdade. E uma sociedade com pensamento único (seja ele qual for) é justamente aquela em que não gostaria de viver... Estamos às vésperas de uma eleição, será que essa matéria não tinha também outro objetivo além de desqualificar a trajetória pessoal de um historiador inglês? Pense nisso...

.